01 de Março de 2010 – Mashiro
A
manhã ensolarada estava carregada com o perfume das flores de cheri berry.
Pidoves piavam suavemente sobre os galhos das árvores próximas. O brilho do sol
que caía sobre a cidade, espalhava calor e calmaria nos corações dos moradores.
E o ginásio, que mesmo amplo, estava lotado, emitia sons de euforia e
excitação.
–
Mashiro! – Chamou-me Hanako, minha colega de classe – A sensei está nos
chamando, é nossa vez de entrar!
–
Ah, certo! – Retribui seu sorriso e iniciei minha caminhada.
Meu
nome é Junpei Mashiro. Uma jovem de 17 anos, moradora da cidade de Opelucid e
uma das 80 formandas do colégio feminino Jardim de Roselis. E neste momento, a
cerimônia de graduação transcorria cheia de beleza em cada detalhe. O ginásio
foi organizado e decorado pelas próprias estudantes, com muitos arranjos
floridos e cortinas de tecidos delicados, que transbordavam cores.
A
banca de educadoras, junto à diretora, discursaram de forma incentivante,
relembrando alunas que se destacaram, tanto em desenvolvimento, quanto em
determinação no decorrer de complicações pessoais. Muitos dos presentes se
comoveram. Para todos os lados que se olhasse, haveriam sorrisos e lágrimas de
emoção.
O
encerramento da cerimônia se deu com uma homenagem do coral à capela,
organizado pelas secundaristas e suas calouras, em despedida com as veteranas.
Depois disso, abracei minhas colegas e amigas com força. Afinal, eu poderia
ficar muito tempo sem vê-las novamente. Meu coração ainda saltitava em meu
peito, até que eu enxergasse meu pai, Junpei Kenta, um conceituado veterinário
pokémon na cidade, meu estomago se contraiu.
Um
homem de 1,80 de altura, com cabelos cor de chocolate e olhos verdes como
esmeraldas, corpo musculoso e firme. Vestia sua melhor camisa social, branca,
com as mangas dobradas na altura do cotovelo, uma calça jeans, cor de terra, e
sapatos mocassim, verde musgo. O figurino foi escolhido todo por mim, para
valorizar cada detalhe de sua beleza rústica, marcada pela barba por fazer. Ao
me encontrar, abriu um sorriso branco, cheio de orgulho.
–
Então... você prefere ir para casa ou combinou de comemorar com suas colegas? –
Questionou ele, mesmo com os olhos brilhando, sua face carregava tristeza.
–
Paizinho... – Abracei-o, com carinho – Claro que vou aproveitar essas últimas
horas com você!
–
Claro... – Disse ele, afagando meus cabelos – Vou preparar o seu favorito, Ensopado
de Berries!
–
O senhor só sabe fazer isso! – Disparei, fazendo com que caíssemos na risada.
Subimos
na caminhonete vermelha, a qual meu pai utilizava tanto para uso pessoal quanto
profissional, afim de buscar e levar pokémons muito debilitados aos seus donos.
Percorremos as ruas asfaltadas, conversando tranquilamente, enquanto os prédios
modernos e suntuosos eram substituídos por edificações rústicas e simples, mas
tão belas e confortáveis quanto as do centro da cidade.
Este
é um traço único de Opelucid. No continente de Unova, as cidade se dividem em
dois grupos, as cidades modernas, cheias de prédios altos de arquitetura
arrojada, e as cidades rurais, com casas simples e galpões antiquados.
Entretanto, minha cidade natal ficava entre os dois tipos, possuindo os
atrativos de ambos os grupos sociais em uma harmonia pitoresca, porém
admirável.
Meu
pai nasceu e cresceu próximo à floresta que circunda a cidade, por isso sempre
preferiu a calmaria do local. Morávamos em um dos pontos mais afastados do
centro, o que tornava necessário o deslocamento de carro para busca e entrega
de pacientes. Mas o mais curioso, é que, desde que posso me recordar, meu pai
nunca teve pokémons em casa e, mesmo após suplicar, também nunca e permitiu ter
um mascote.
Assim
que chegamos em casa, desci do carro
correndo e fui me trancar no quarto, afim de me livrar do uniforme e ficar mais
a vontade. Nossa casa era grande e aconchegante. Um casarão de fazenda, feito
de madeira com a mais bela arquitetura oriental que eu já vira, com uma ampla
varanda ao redor de toda a construção, elevada quatro degraus acima do gramado.
Meu
quarto, todo em tons de violeta e branco, possuía um espelho da minha altura,
com moldura branca. Meu closet, muito bem abastecido com blusas, calças, saias,
bermudas, casacos, tênnis, botas, sapatilhas, sandálias e roupas íntimas,
permanecia fechado e bem organizado, como eu sempre o deixava. Minha cama, tão
organizada quanto o restante do quarto, tinha minha colcha de retalhos bem
estendida. E, igualmente, minha escrivaninha e minha estante, abarrotada de
livros, estavam intactas.
Havia
um único detalhe diferente, um pequeno embrulho, feito de forma desajeitada,
porém com carinho, jazia sobre meu travesseiro. Esboçei um sorriso leve e
pensei “Ele já aceitou a ideia”. O nó que permanecia em meu estômago,
torturando-me com seu aperto constante, se desfez. Espalhando alívio por cada
centímetro do meu corpo.
Antes
de abrir meu presente de despedida, dei uma última olhada na menina que se
tornaria mulher. O uniforme escolar se consistia de uma camiseta social branca,
de mangas compridas, um colete azul royal com bordas vermelhas e as iniciais da
escola, bordadas em dourado, uma saia pregada, bordo, e meia calça branca,
acompanhadas de sapatilhas da cor do colete. Em toda a glória de meus 1,65 de
altura, eu me sentia uma lolita.
Absorvi
cada detalhe, afim de gravar-lhes na memória, com meus olhos castanhos, como
avelãs. Soltei o rabo de cavalo, deixando meus cachos, cor de chocolate, caírem
sobre minhas costas, até a minha cintura, e me dirigi ao closet. Tirei minha
mala de viagem, cor de rosa e comecei a prepara-la para a viagem. Como sempre
fui muito precavida, acabei enchendo-a apenas com roupas, deixando todos os
produtos de higiene e beleza, junto dos acessórios e medicamentos e demais
utensílios úteis na minha mochila.
Deixei
a bagagem sobre a cama e me afastei, afim de realizar uma última análise.
Parecia muito coisa, olhando de fora, mas eu sabia que era o essencial. Separei
uma muda de roupas e corri para o meu banheiro particular. Aqueci meu corpo com
a água morna, massagenado-o com meus óleos essenciais de forma suave. Lavei
meus cabelos com carinho, deixando o perfume penetrar na raiz.
Sequei
meu corpo com cuidado, e fiz o mesmo com minhas madeixas apenas com a toalha,
já que o secador já fora guardado para viagem. Vesti uma bata branca, com
bordados sobre a gola aberta, que mostrava parte dos ombros minguados, e
mangas, bem frouxas, com um colete de couro marrom fervido, simples, com
bordados simples. Optei por um short jeans, mais justo, meias brancas 6/8 e
botas de couro marrom, semelhantes ao colete, porém frouxas, apresentando um
aspecto enrugado no calçado.
Para
finalizar o visual country, trancei meus cachos, levemente úmidos ainda, para o
lado esquerdo, deixando-os caídos sobre o ombro. Na orelha direita, que ficou
totalmente exposta, coloquei meu brinco de pena de Braviary e sobre o pescoço,
um colar simples, feito com uma tira de couro e um fragmento de shiny stone,
realçava a brancura imaculada de minha pele.
Sai
do banheiro, recolhendo as roupas sujas e a toalha úmida e parti do meu quarto
para a lavanderia. Após separar as peças por cor, retornei para o quarto e abri
meu presente de despedida. Ao desvendar o conteúdo do embrulho, senti o ar
fugir dos pulmões. Meu pai me dera um X-Transcreiver, modelo feminino nas cores
branco e rosa. Rapidamente, coloquei-o no pulso e li as instruções de uso. Com
tudo devidamente programado, corri para a cozinha, afim de agradecer-lhe.
–
Paizinho... Muito obrigado... – Perdei a fala ao me deparar com um visitante
inesperado – Tatsuto-san... que surpresa!
Cumprimentei
nervosamente meu antigo chefe. Bem, quase isso. Quando iniciei o ensino médio,
procurei um estágio afim de conquistar um pouco de independência, mesmo que
meu pai sempre tenha se dedicado à mim, já que eu era sua única filha. E
durante essa procura, fui indicado pela minhas professoras para estagiar na
prefeitura da da cidade. Devido ao meu excelente comportamento e histórico
escolar, decorado com notas de primeira categoria.
Lembro
como se fosse ontem, minha presença foi solicitada pela diretora em sua sala,
durante uma aula de matemática. A própria secretária, Himawari-san, veio
escoltar-me durante o caminho, sem responder nenhuma de minhas perguntas, mas
sem conseguir esconder risadinhas nervosas,
que só aumentavam meu nervosismo.
Ao
adentrar a diretoria, me deparei com uma diretora extasiada, conversando de
forma afetada com um homem, que até então estava de costas para mim. Assim que
minha presença foi notada, Tatsuto Hideo, prefeito de Opelucid, virou-se para
me cumprimentar, fazendo meu chão sumir.
Não
me entendam mal, não sou nenhuma garota cheia de hormônios que fica boba ao ver
um homem bonito. Na verdade, sempre tive a mente no lugar. Os únicos romances
que afetavam meu raciocínio eram os dos livros que preenchiam minha prateleira
em casa. Na vida real, eu era sempre tida como fria. Elogia aqueles que eram
belos, mas sem me derreter ou perder o foco.
Entretanto,
não havia jovem ou mulher mais experiente que não perdesse alguns instantes
observando o prefeito da cidade. Um homem de 45 anos, mas de ar jovial e cheio
de energia. Mantinha seu corpo malhado e firme, com músculos bem distribuídos
por todos os seus 1,90 metros de altura. E os cabelos brancos, que preenchiam
todo o seu couro cabeludo, só o deixavam mais atraente, bem como as pequenas
rugas em torno dos olhos. Sim, os seus olhos, amarelos como duas shiny stones,
iguais aquela sobre meu peito, tão brilhantes quanto.
Tatsu
Hideo, ficou viúvo aos 30 anos, e desde então viveu sozinho, dedicando-se à
carreira política, exercendo o papel de prefeito com excelência. E ainda,
atuava como líder do ginásio pokémon de Opelucid, especializado em Dragon Type.
Um oponente difícil de ser derrubado. E naquele dia, aceitei, sem titubear, o
estágio como secretária mirim dele. E cada minuto que eu passava perto dele,
após as aulas, nutria vigorosamente uma pequena fantasia que virou uma paixão
impossível.
–
A que devo o privilégio dessa visita? – Perguntei, enquanto ele beijava minha
mão, como um cavalheiro que era.
–
Não exagere! – Disse ele, rindo com prazer – Apenas vim parabenizar a minha
melhor estagiária! Seu pai estava me contando que você se candidatou para
realizar pesquisa de campo, como treinadora pokémon. Deve supor que isso foi
influência minha, após nossas conversas?
–
Bem... – Olhei nervosa para meu pai, que acreditou descobrir que sua
desconfianças estavam certas – Digamos que esse foi o empurrão final!
–
Oh sim, claro! – Rimos juntos, eu mais de nervosa do que de qualquer outra
coisa.
–
Ah, aceitaria almoçar conosco? – Perguntei, tentando desviar o foco da
conversar e adiar o confronto que teria com meu pai.
– Não desejo
incomodar! – Recusou educadamente.
–
Não se preocupe, seria um prazer recebe-lo! – Disse meu pai, em uma trégua
silenciosa comigo.
–
Sendo assim...
Nos sentamos à
mesa e comemos tranquilamente, enquanto riamos e conversávamos, assuntos
diversos. Mas graças ao meu pai e meu ex-patrão, o tópico principal das
conversas era eu. Mu desenvolvimento, minha postura, minha desenvoltura, meus
conhecimentos, e assim por diante. Em um determinado momento, senti vontade de
derreter e evaporar, de tanto que meu rosto queimava de vergonha.
Depois de nos
deliciarmos com o ensopado que meu pai preparou, tomamos um chá e nos
despedimos no momento em que Tatsuto-san recebeu uma ligação do escritório. Com
a saída dele, corri para a cozinha, procurando me ocupar com a louça, evitando
assim a conversa que meu pai prometera ter mais tarde, toda a vez que nosso
olhos se cruzavam.
– Você poderia
me explicar melhor os motivos de querer viajar? – Intimou ele, escorado sobr e o
marco da porta, olhando-me com uma sobrancelha erguida.
– Eu já
expliquei diversas vezes! – Desconversei, muita concentrada nos pratos de vidro
vermelho, sujos de molho.
– Eu pensei
que você queria conhecer o mundo e ganhar maturidade, Mashiro! – Ditou ele, de
forma séria, exigindo atenção.
– Si-sim! E é
exatamente esse o motivo! – Sequei minhas mãos no avental que havia pegado, e
foquei meus olhos nos dele – Tatsuto-san apenas me ajudou a toma coragem! Eu
aprendi muito com ele, mas, o mais importante, é que aprendi que há muito o que
aprender! E eu preciso sair daqui para ter acesso a muito mais!
Meu pai
suspirava, nervoso, mas eu havia sido sincera, e o seu olhar demonstrava que
ele enxergara a verdade em minhas palavras. Eu podia entender a sua preocupação,
mas ele tinha de entender minhas necessidades.
– Olhe... eu
sei que você está disposto a me dar tudo que eu lhe pedir... – Admiti, tirando
o avental e me aproximando para abraça-lo – Mas não seria justo
sobrecarrega-lo! Eu preciso aprender a me virar sozinha, paizinho! Eu sou muito
grata por tudo que o senhor me deu, mas está na hora de caminhar com os meus
próprios pés!
– Você fala
como a sua mãe as vezes... – Sussurrou ele, em meu ouvido, com a voz embargada –
E o pior de tudo, é que está certa! Tudo bem... não vou mais me intrometer na
sua decisão, mas...
– Não se
preocupe! Não estou viajando para caçar um namorado ou vários! – Corteio,
adivinhando suas palavras – Sabe que sou ajuizada!
– Claro...
tanto quanto Jun... – Riu ele, com alguma lembrança sobre minha falecida mãe, a
qual, a muito tempo, deixara minhas memórias – Muito bem, trate de escovar o
dentes que vou te levar para estação em meia hora!
– Sim, senhor!
– Pisquei e corri para o meu quarto, deixando-o sozinho com a louça.
Em meia hora
eu iria embarcar no trem com destino à Accumula, onde encontraria minha tia,
Junpei Chieko, bióloga pokémon responsável pelos treinadores que realizam a
pesquisa de campo. E então, iniciaria a transição de menina para mulher.