01 de Março de 2010 – Kuroto
O
sol brilhava intensamente em um céu azul límpido lá fora. No interior do
ginásio, o espaço estava bem iluminado e animado com os festejos dos formandos
da academia Nuvema. A cerimônia oficial já havia sido encerrada, e os, agora,
ex-alunos abraçavam seus familiares e amigos de classe, tirando fotos e
conversando animadamente.
Eu
era apenas mais um dos 160 formandos, que também encabeçava o grupo de 20
alunos que ficaram em recupeção, Seidou Kuroto. Sempre fui um aluno regular,
mas por saber que faltava tão pouco para iniciar o meu sonho, acabei me
descuidando. E se eu acabasse repetindo o último ano por bobagem... não sei se
eu me mataria ou se minha mãe seria mais rápida.
Mas
o que realmente importava, era o fato de que eu poderia, oficialmente, partir
em uma jornada pokémon. Afinal, foi esse o combinado que fiz com os meus pais.
O governo permite que jovens a partir dos 15 anos façam a sua licença de
treinador pokémon, mas dificilmente algum pai os libera para viajar sozinhos,
alegando que são crianças ainda e blá-blá-blá.
E
com os meus pais não seria diferente. Minha mãe era dona de uma pensão na
cidade, Recanto dos Pidove, e quanto
ao meu pai... bem, ele era o delegado de Nuvema, mas frequentemente viaja para
dar apoio em outras delegacias. Mas ele se esforçou daquela vez, porque
compareceu no exato momento em que o diretor iniciou seu discurso e permaneceu
até o final.
Depois
de ficar rouco de tanto gritar e zoar meus amigos, reunimos nossas famílias e
fomos almoçar na pizzaria da cidade, Tamato
na Chapa. Comemoramos um pouco mais, afinal, aquela era uma parada
obrigatória para os formandos da academia à anos. Comemos, rimos, brincamos e
fomos para nossas casas.
-
Uffa! Até que enfim! Preciso da minha cama... – Declarei ao entrar na pensão,
me encaminhando aos fundos, onde ficava a porta de acesso a nossa casa.
-
Pode ir parando aí mocinho! – Chamou-me, mamãe – E esses seus calçados no meio do caminho? E sua pasta? Já disse para não ir tirando e largando tudo pelo
caminho, ainda mais na pensão!
-
Ah mãe... quebra essa vai? Afinal, esse vai ser o meu último dia em casa por um
loooongo tempo! – Falei do meu jeito manhoso que as garotas amavam, e fiz
beicinho para abrandar minha mãe, mas...
-
Último dia? Co-como assim? – Sua expressão ficou tensa e suas mãos inquietas
começaram a recolher meus pertences caídos.
-
Querida! – Meu pai se pronunciou, ao entrar por último – Já conversamos sobre
isso...
-
Mãe? Você ainda não desistiu daquela ideia? – Revirei meus olhos ao perceber o
olhar irritado dela – Lá vamos nós...
-
Eu que lhe pergunto, ainda não desistiu de sair em uma jornada pokémon? – Ela
estava séria e ofegante, como se fizesse muita força para não me bater – Você
deveria estar preocupado em estudar e se tornar um profissional de sucesso! Ao
invés de viver um sonhos de criança...
-
O QUE VOCÊ DISSE? – Eu não suportava toda aquela menorização sobre o meu sonho.
-
Já chega! – Ditou meu pai, firme, sem precisar elevar a voz – Essa discussão não
vai nos levar a lugar algum! Decidimos que o Kuroto poderia fazer o que bem
entendesse depois de concluir o terceiro ano, contanto que ele arranja-se o
próprio dinheiro para sair em viajem.
-
E foi o que eu fiz... – Murmurei irritado.
-
Mas isso não significa que possa elevar sua voz para sua mãe, Kuroto! –
Reprimiu-me ele, de forma fria e intensa com o olhar – Você sabe que apenas
queremos o melhor para você!
-
Mas isso não significa... – Quis me justificar, até ele me repreender com outro
olhar – Ok, ok.... me desculpem! Não foi minha intenção desrespeitar vocês.
-
Tudo bem meu filho! Eu que lhe peço desculpas. Mesmo que eu não concorde, não
podia ter menosprezado seus sonhos! – Ela me abraçou, afagando meus cabelos,
com sua cabeça repousada sobre o meu peito – Eu lhe amo muito!
-
Mãe... – Retribui o abraço e busquei meu pai com os olhos – Pai...?
-
Eu também te amo filho! – Ele se juntou ao abraço.
-
Eu também... – Escondi meu rosto no seu terno, afim de esconder a lágrima que
rolou sobre o meu rosto. Afinal, não era sempre que meu pai estava por perto.
Apesar
dos meus 18 anos, eu me sentia como um garotinho outra vez, sendo acalentado
pelos pais, como sempre desejei. Mas aquele momento não durou muito tempo, pois
o celular do meu pai tocou, com uma chamada do trabalho. As vezes eu me
perguntava: Por que o delegado de uma cidade rural era tão requisitado em
diversos lugares?
Já
tentei extrair alguma informação útil do meu pai, sem sucesso. Ele atendeu à
chamada, trocou palavras rápidas e vagas e ao desligar, despediu-se de nós.
Fechei a cara, peguei minhas coisas das mãos da minha mãe e fui para nossa
casa. Me tranquei no meu quarto. Desabei na cama e dormi.
Acordei
zonzo e olhei no meu despertador na cômoda ao lado da cama. O visor marcava
18:00. Era quase hora do jantar e eu ainda tinha muito o que organizar para o
dia da partida, que seria na manhã seguinte. Me levantei, indo até o armário,
tentando não cair no meio das roupas espalhadas.
Sim,
o meu quarto parecia uma zona de guerra, mas eu gostava. Minha mãe não, mas
como eu dormia alí, sempre dava um jeito de enrolar ela e não arruma-lo.
Procurei uma roupa limpa e sai do quarto, não sem bater o mindinho no pé da
escrivaninha ao lado do armário. Soltei um uivo irregular, devido a dor
pungente. Como um movimento tão simples podia ser tão doloroso, eu nunca
entendi.
-
Kuro? – A voz da minha mãe, ecoou vinda de fora, provavelmente estava na
cozinha arrumando nosso jantar antes de voltar para pensão.
-
Não foi nada! – Menti não queria mimos desnecessários – Vou tomar um banho!
-
Não demore! Estou terminando de preparar o jantar. – Finalizou ela antes que eu
entrasse no banheiro do meu quarto.
Segui
mancando um pouco, praguejando silenciosamente, em direção ao banheiro no meu
quarto. Tomei um banho gelado, a ponto de congelar a minha espinha, mas não me
abalava, sempre gostei de água, principalmente gelada. Me esfreguei sem demora,
curtindo o frio, enquanto refletia sobre como procederia no dia seguinte. E
mais importante, refletia sobre como conversaria com Hikari, minha namorada
durante os 3 anos de academia. Além de namorarmos à algum tempo, nossas
famílias eram amigas e por isso nos conhecíamos desde pequenos.
Eu
curtia muito a companhia dela. Seu sorriso. Sua voz. Ela era linda e meiga.
Mas... sempre sentia que algo parecia fora do lugar. E todos as vezes que
conversávamos sobre o nosso futuro, entrávamos em uma pequena discussão. Os
pais da Hikari, os Sakuarada, eram os donos da padaria da cidade. Uma família
tradicional de padeiros e doceiros.
E
acredite quando eu lhe digo, tradição traz uma história de sabor e qualidade
que você sente só pelo aroma. Hikari, naturalmente, tinha mãos mágicas. Eu
sempre adorei os doces e salgados que ela preparava pra mim, acho que foi assim
que começamos a namorar, no nono ano, na semana da formatura, quando trocamos nosso
primeiro beijo. Uma história longa... confusa e amarga.
Bem,
Hikari queria fazer faculdade de administração e voltar para cidade, para
ampliar os negócios da família. O que eu achava incrível, mas... eu tinha
outros planos, certo? Partir em uma jornada de aventura e me tornar um grande
treinador pokémon. Estudar em uma universidade não era uma opção muito atraente
no momento. Não me levem a mal, passei os 3 últimos anos estudando e
trabalhando em empregos de meio período, para juntar dinheiro o suficiente para
a minha jornada. Não foi nada fácil. E agora eu queria relaxar e curtir.
Sendo
assim, estava na hora de seguirmos nossos sonhos, mesmo que isso significasse
uma separação. Terminei meu banho e me arrumei. Coloquei uma camiseta bordo de
gola V, que Hikari me dera no natal passado. Uma calça jeans reta, de um tom de
azul profundo, quase negro. E allstar preto.
Ao
analisar meu reflexo no espelho, reparei que meus cabelos negros estavam
revoltos, mas sem volume por estarem molhados ainda. Deixei eles daquele mesmo
jeito, embora acreditasse que o melhor seria penteá-los, como Hikari sempre
fazia ao vê-los embolados e sem forma. Por último coloquei nossa aliança de
ferro polido e minha corrente de prata.
Corri
para a cozinha, onde encontrei um bilhete da minha mãe informando que o jantar
estava pronto. Analisei as panelas e encontrei curry de leppa berry com
mostarda e mel e arroz integral. Meu prato favorito. Provavelmente a única
comida agridoce que eu como na vida. Servi uma porção generosa, deixando o
suficiente para que minha mãe pudesse servir um prato simples para ela, ele
vivia reclamando que precisava perder peso, qual o problema em dar uma forcinha
à minha maneira?
Comi
sem culpa, me esforçando para não raspar as panelas. Lavei minha louça e corri
em direção à saída. Como eu disse, moro em uma cidade rural, por isso ela é
pequena, o que me deixava com no máximo 5 minutos de caminhada até a casa da
Hikari. E como eu ainda não havia pensando em nada melhor para dizer do que:
“Hey, acho melhor romper o namoro! Obrigado por tudo, ah, e boa sorte nos
estudos!”, eu estava adiando ao máximo essa conversa.
Durante
o caminho, cumprimentei as pessoas que via, já que conhecia todas a minha vida
inteira. Na verdade, isso me motivava ainda mais à seguir viajem, afinal, à
anos que não conheço gente nova, ou vejo coisas diferentes. Estava mais do que
na hora de sair do ninho, ou, no meu caso, do Recanto dos Pidove. Que piada medíocre...
-
Kuro-chi! – Acordei do meu estupor com uma voz estridente me chamando, levei um
susto ao perceber que uma garota de olhos verdes e cabelos loiros corria em
minha direção – A quanto tempo!
-
Ha-Haruna?! – Não tive tempo de reação, quando dei por mim minha amiga de
infância estava me abraçando – O que faz por aqui? Pensei que seu pai tivesse
lhe transferido para a academia de moças Lilligant Real.
-
E fui! Mas a cerimônia de formatura foi hoje! Acabamos de voltar de Striaton
City! – Ao olhar melhor, percebi que ela ainda usava um uniforme creme e verde,
com um broche de formando presa ao colete – Não deixei o papai parar para nada,
queria vir matar a saudades de todo mundo! Hihi...
-
Continua animada como sempre! – E uma avoada, pensei, mas não queria magoá-la –
E por que não se trocou? Chegou a passar lá em casa?
-
Ainda não! Tive que fugir do papai! – Se ela não estivesse com 1,68 de altura e
um volume mediano nos peitos, diria que ela não mudou nada desde os 12 anos – Vim
ver o Aoyama-san! Ele inclusive me deu alguns doces? Você aceita? São de pecha berry!
-
Haha... não obrigado! – Dispensei a oferta com um sorriso bobo, estar com a
Haruna me fazia sentir criança outra vez, quando a vida era mais simples – É
bom ver você!
-
Own... Kuro-chi... – Ela começou a lacrimejar, emocionada, e sofri um segundo
ataque – Eu também senti saudades!
-
Ca-Calma! Não é pra tanto... – Tentei afagar-lhe o cabelo.
-
O que significa isso, Kuroto? – Levei um sobressalto, afastando Haruna,
instintivamente – Posso conhecer a sua... “amiga”?
-
Eu posso explicar tudo, Hikari! – Olhei apreensivo para minha namorada, e me
ofendi mentalmente, diversas vezes, por não perceber que havia ficado todo
aquele tempo parado em frente a casa dela – Esta é a Haruna, lembra dela? Minha
vizinha desde criança. O pai dela a colocou em uma academia para moças em
Striaton. Ela voltou hoje após...
-
Hikari-chan! Eu me lembro de você! Sempre teve uma quedinha pelo Kuro-chi!
Haha... – Minha amiga tinha o dom de ser inconveniente demais as vezes – Faz
tempo que não nos vemos! Aceita um doce?
-
Haruna? Se refere à Okaki Haruna-san? Filha do banqueiro? – Hikari mantinha um
olhar desconfiado, dispensando os doces com um gesto de mão – Agora me lembro
melhor! Você sempre foi muito... “carinhosa” com todo mundo! Me desculpe, como
não lhe reconheci imediatamente...
-
Tudo bem! Haha... – Haruna ria do rubor dela, como uma criança boba – Bem,
temos muitas pessoas para cumprimentar antes que o meu pai me ache! Até mais
pessoal! Ah! Antes que eu me esqueça, Kuro-chi, você ainda vai seguir viajem em
uma jornada pokémon?
-
Ah... bem... – Olhei de soslaio para Hikari, sentindo o suor frio brotar na
testa – O plano continua o mesmo! Hehe...
-
UAU! Como eu te invejo... quem dera meu pai me desse permissão para tal... –
Toda a alegria e energia que ela emanava, vacilou por um momento, o que me fez
sentir um aperto no peito – Bem, quem sabe eu consigo convence-lo dessa vez,
hihi! Byebye!
-
Que maluca... – Soltei um sorriso singelo ao ver aquela garota de 18 anos,
correr com os braços estendidos como se fosse um avião, mas logo fiquei tenso
ao virar-me para minha namorada – Bem... vim conversar com você...
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