01 de Março de 2010 – Kuroto
O
sol se punha, tingindo o céu em tons alaranjados, enquanto as nuvens moviam-se
sinuosamente, criando uma atmosfera romântica. Em outras ocasiões, esse seria o
cenário perfeito para passar o tempo e curtir a companhia da minha namorada,
com muitos amassos, mas agora isso só piorava a minha situação.
Hikari
me acompanhou até uma praça que ficava à duas quadras da sua casa, onde uma
árvore de cheri berry soltava pétalas avermelhadas, dando lugar a brotos de
frutos. Sentamos no banco de madeira, e quando olhei em seus olhos, minha
determinação vacilou brevemente.
Como
havia dito, ela era linda. Seu cabelo era completamente liso, por isso ela
optava por deixa-lo solto. O tom acaju de suas madeixas, realçava sua pele
clara. Seus olhos, eram azuis como um céu ensolarado e sem nuvens. Seus lábios
finos e bochechas rosadas, combinados com os seus 1,70 de altura, tornavam-a
uma jovem mulher com ar intimidador e atraente, ao mesmo tempo.
Se
não bastasse todos esses detalhes, ela estava usando blusa regata preta justa,
de gola redonda, que realçava o seu busto avantajado, bem como uma calça jeans
skinny, que valorizava seu quadril igualmente farto, e sandálias cor de creme,
nos pés delicados. Nunca me queixei do seu corpo escultural, pelo contrário, eu
aproveitava como podia, mas isso não me impedia de ter muitas dores de cabeça.
Primeiramente
pelos olhares famintos dos outros garotos, que resolvia facilmente com alguns
socos bem dados. E também... digamos apenas que os meus banhos gelados têm
múltiplas finalidades. Enfim, parando para pensar, parecia errado terminar o
namoro depois de tudo que passamos.
Foram
3 anos de alegria compartilhada. Passeios, palavras de afeto, carícias, planos
elaborados. Sem falar nas brigas, lágrimas e ciúmes. Mas, ao mesmo tempo, eu
sempre soube que esse momento chegaria, eu apenas decidi adiá-lo. Afinal, o que
começa mal, tende a terminar mal, certo?!
–
Kuro...? – Hikari me despertou do estupor de pensamentos – O que queria
conversar comigo? E por que você nunca arruma esse cabelo?!
–
Hikari, eu... – Ela soltou uma risada, um pouco tensa, e se pôs à arrumar meus
cabelos, segurei suas mãos com suavidade – Hikari! Me escute. Acredito que você
saiba o que eu vim conversar. Não há mais porque adiar isso!
–
Co-Conversa? Que conversa? – Sua expressão tornou-se visivelmente tensa,
enquanto retraía sua mãos sobre o colo – Ah, sim! A sua jornada, não é? Bem,
você sabe que eu não aprovo, afinal ficaríamos muito tempo sem nos vermos. E,
como já lhe disse diversas vezes, acredito que isso irá atrasar o seu futuro!
–
Eu quero romper nosso namoro! – Durante seu discurso, seus olhos percorriam
todo o nosso entorno, exceto a mim, e ao receber a notícia, seus olhos azuis,
fitaram-me, agora, avermelhados e arregalados – Sinto muito! Eu não queria ter
lhe dito isto assim, mas achei melhor ser direto, antes que eu perdesse a
coragem...
–
Ro-Romper... o... namoro? – Seus olhos começaram a umedecer, enquanto sua face
tornava-se rosada – Que piada é essa? Isso têm relação com a Okaki-san? Ou é
alguma outra garota? Pode começar a se explicar agora mesmo! Seu cafajeste!
–
Hi-Hikari, calma! – Cometi um grave erro. Nunca se deve pedir calma a uma
garota quando ela está irritada, isso só piora a situação.
–
Você quer que eu fique calma? – Ela começou a me estapear, onde podia – Como eu
posso ficar calma? Este era para ser um dos melhores dias da minha vida! Eu me
formei, estou com uma média excelente para ser aprovada na faculdade que eu
queria, meu pai me deu permissão para morar com você durante o período
acadêmico, desde que você me pedisse em noivado, o que eu estou esperando, faz
1 ano! Eu... eu... eu tomei coragem e decidi ir até a sua casa, para... para
lhe pedir que prestasse vestibular comigo... eu... eu planejei passar o restante
da minha vida contigo...
–
Hikari... – Conforme sua raiva transbordava, sua voz embargava e lágrimas
brotavam dos olhos, encharcando sua face. Até ela perder as forças, e começar a
chorar e soluçar, exasperada – Eu não tive intenção de lhe causar tanta dor...
–
HA! Claro que não... – Sua face estava completamente vermelha, enquanto
fungava, sua tristeza se convertia em raiva – Por isso decidiu “adiar” essa
decisão! Kuroto... eu dediquei a você durante esses 3 anos, porque... porque eu
te amo!
–
Eu sei, eu sei! E isso só faz eu me sentir pior! – A culpa não me permitia
manter contato visual – Você têm razão, eu sou um cafajeste! E é por isso que
eu acredito que é melhor nos separarmos agora, enquanto ainda há tempo...
–
Tempo? O você quer dizer com tempo? – Sua raiva parecia renovada – Você ao
menos me amou de verdade? Ou isso sempre foi diversão para você? Ha! Claro,
agora eu entendo! Você só queria se divertir comigo, não é?
–
Hikari, não! Eu... – Inicialmente, eu realmente só pretendia curtir sem grandes
compromissos, mas não podia admitir isso à ela seria muita canalhice.
–
Não minta pra mim, Seidou Kuroto! – Ela se levantou, ferozmente, encarando-me
de cima, com fúria assassina no olhar – Você sempre quis viver uma jornada
pokémon, cheia de aventuras, livre de responsabilidades!
–
Hey! Isso não é justo! – Me levantei, invertendo nossas posições, agora eu lhe
olhava de cima – Você sempre soube das minhas ambições!
–
E você das minhas! Ou se esqueceu que foi você que me pediu em namoro? –
Infelizmente ela estava certa, eu era o maior, não, o único culpado dessa
situação – Eu, quase... eu, quase... eu quase rompi com o meu voto de
castidade, por você...
–
O que? – Certo, se ela tinha dúvidas da minha safadeza, não teria mais, pois
reagi m pouco... agitado demais – Mas eu pensei que...
–
Eu não acredito! Há poucos instantes estava me dispensando, e agora que toquei
nesse assunto, você se preocupo com o que eu tenho a dizer? – Realmente, eu fui
um canalha naquele momento – Olha, quer saber? Esquece! Quem não quer saber
mais de você, sou eu!
–
Hikari, você entendeu tudo errado... – Ela se virou para ir embora, mas eu
puxei seu pulso de leve, o que fez com que ela me desse uma bofetada sonora.
–
Me esquece Kuroto! – Novas lágrimas brotaram de seus olhos, enquanto ela pegava
sua aliança de ferro polido – E pode ficar com isso! Talvez a sua futura nova
namorada da temporada goste!
–
Hikari! – Enquanto eu massageava o lado esquerdo da minha face, ela me laçou a
aliança sobre o peito, correndo de volta à sua casa na sequencia, sem olhar
para trás.
–
EU TE ODEIO! – Foram suas últimas palavras antes de o brilho do sol se perder
no horizonte.
Me
resignei a recolher a aliança do gramado, olhando-a com tristeza e suspirando,
sem forças. No caminho de volta à minha casa, liguei para meu melhor amigo,
Ayaki Morio, um grande nerd, muito
divertido e atrapalhado. Durante os últimos 2 anos, ele conseguiu um estágio no
laboratório de pesquisas da renomada bióloga pokémon Junpei Chieko, que se
mudara para lá pouco tempo antes disso.
Com
a nossa formatura, o estágio chegaria ao fim, mas como ele prestaria vestibular
na única faculdade da nossa cidade, que, apesar de estar localizada em zona
rural, era a melhor no campo da biologia pokémon, a própria professora, que
também era diretora da instituição, convidou-lhe à continuar trabalhando lá,
durante o andamento das aulas.
Tendo
meu melhor amigo dentro do laboratório, garanti meu nome na lista de entrega de
pokémons à treinadores iniciantes. Acredite, isso não tão fácil quanto você
possa pensar. Pessoas com dinheiro, compram pokémons adestrados, o que é algo
muito fora do meu orçamento. Outra opção é adotar aqueles que foram
abandonados, mas estes dificilmente se interessam em participar de batalhas e
demais competições, pois foram abandonados em circunstâncias semelhantes.
Sendo
assim, muitos jovens, aspirantes a treinador, decidem procurar os centros de
pesquisa, onde pokémons iniciais são distribuídos, em uma quantidade limitada.
Junto dele, cada treinador recebe uma Pokédex, um aparelho de alta tecnologia,
que permite o escaneamento completo de todas as espécies de pokémons
conhecidas.
Ao
coletar dados de um pokémon, o treinador tem como obrigação repassar os dados
para algum dos centros de pesquisa, auxiliando em seus estudos e garantindo a
validação de sua licença como treinador. O não cumprimento do acordo, acarreta
na revogação de sua licença, e você perde o direito de participar de
competições e eventos relacionados a pokémons. Eu sei, muita burocracia e tal,
mas, ainda sim, era a melhor alternativa pra mim.
–
Alô? Morio? – Tentei soar tranquilo, procurando esquecer o que havia ocorrido.
–
Kuroto! Oi, o que precisa? – Como sempre, ele parecia muito ocupado com algo, pois
conseguia ouvir o som das teclas do seu notebook, que vibraram rápida e
constantemente.
–
Bem, cara, não é nada demais. Só queria confirmar o horário em que tenho de
comparecer no laboratório amanhã – Nas minha lembranças, eu teria de acordar
tão cedo quanto o horário em que ia à escola, o que não me agradava.
–
Ah, sim! Às 8 da manhã! – Como imagine, o que me preocupava, pois sempre me
atrasava.
–
Mas que... – Soltei um palavrão de desgosto – Foi mal cara! E o que acontece se
eu me atrasar, mesmo?
–
Hum... isso pode ser ruim! Falta de pontualidade deixa a Junpei-Hakase muito
nervosa! Ela considera isso uma falta de responsabilidade! – Eu estava ferrado.
–
Maravilha... – Murmurei, irritado – Cara, o que você tanto digita?
–
O que? – O som cessou instantaneamente, enquanto a voz do meu amigo ficava
perdida – Você ouviu? Ah, bem! Não é na-nada demais! Hehe...
–
Ok, ok! Valeu cara, se cuida! – Desliguei o celular e consegui soltar uma
risada fraca, porém franca.
Cheguei
no portão da pensão e entrei sem cerimônia. Passei pelo corredor, dando um “oi”
rápido aos poucos moradores, que nesta hora terminavam de jantar. Akamatsu Jou,
um garoto de 16 anos, se instalou aqui no ano passado, para se formar na
academia de Nuvema e posteriormente entrar no laboratório de pesquisas da
cidade, havia passado para o segundo ano agora, era um cara divertido, porém
muito disciplinado. Havia também um casal jovem, os Toriyama, que vinham duas
vezes ao ano, desde os meus 13 anos de idade, para visitar os pais da mulher, Naoko,
que estava grávida de 4 meses, o que deixou o homem, Makoto, muito feliz.
Eu
vacilei por um momento, ao ver minha mãe. Seus olhos pareceram preocupados,
voltados à minha bochecha vermelha e marcada, pelo tapa de Hikari. Esbocei meu
melhor sorriso, e desejei boa noite a todos. Decidi que seria melhor me
esforçar um pouco mais na encenação, por isso abracei a todos, despedindo-me
previamente. Ao abraçar minha mãe, disse que estava tudo bem e que passaria em
casa antes de sair da cidade pela manhã.
Seus
olhos pareciam mais tranquilos, apenas um pouco úmidos, mas eu sabia que era
pelas saudades que ela já sentia com brevidade. Beijei sua testa e fui para
nossa casa, entrando em meu quarto e desabando na cama. Apenas programei o
celular para despertar, e por mais incrível que parece, adormeci uma segunda
vez, tamanho era a minha exaustão.
02 de Março de 2010
Meu
sono foi pesado e confuso. Tudo parecia em preto e branco. Passei uma segunda
vez por todo o meu término com Hikari. Me vi em florestas, rios, rochedos,
cavernas. Gritava, batia, chorava. Senti meu corpo ser atingido por explosões,
água pressurizada, descargas elétricas, pedregulhos. Vultos do que pareciam
serem rostos, passavam por mim, me rodeavam como um tornado. E por fim, uma
tempestade de fogo e raios explodiu acima de mim. Então acordei.
Meu
corpo vertia suor, enquanto meu coração batia acelerado. Meus olhos estavam
estalados, mirando o forro do quarto, e ao ouvir o som do despertador, sentei
na cama, em um único impulso. Peguei meu celular e quase surtei ao ver que eram
8:20, despertei durante a função soneca. Pulei da cama, despindo as roupas de
qualquer forma, correndo para o chuveiro.
Tropecei
com a calça no meio das pernas e bati a cabeça na cômoda. Dei um encontrão no
marco da porta e chutei o canto do armario do banheiro. Com toda a certeza fiz
mais barulho que uma marcha carnavalesca. Praguejei tanto e tão alto, que o
filho dos Toriyama provavelmente nasceria falando palavrões. Ao terminar o
banho relâmpago, coloquei as primeiras roupas que vi e sai em disparada pela
porta.
Passei
correndo pela minha mãe na cozinha, e voltei apenas para lhe beijar a testa.
Continuei correndo. A minha sorte era que o laboratório não ficava muito longe
da minha casa, apenas 3 quadras. Quase atropelei um bando de crianças que
brincavam de pique-esconde, alguns idosos que caminhavam distraidamente pelas
ruas, sem falar na quase decapitação que sofri com o fio de uma pandorga.
Apesar
dos pesares, cheguei inteiro no laboratório. Acabei tomando um banho de suor
com a corrida desenfreada, mas isso era penas um detalhe. Me apoiei sobre os
joelhos, afim de tomar fôlego e fiquei surpreso ao ver que estava com a minha
pasta preparada para viajem, mesmo me lembrar ao certo de tê-la pego.
Com
a respiração em ritmo normal outra vez, me empertiguei e caminhei em direção à entrada. Era um edificio todo de blocos de cimento, pintados de branco
e chumbo, com muitas janelas distribuídas pelas paredes. Tinha 3 vezes o
tamanho do ginásio da academia de Nuvema, ocupando mais da metade da quadra. O
laboratório possuía 4 andares, no primeiro e segundo ficavam as salas de
pesquisa, no terceiro as salas de aula, e no último ficava a biblioteca.
Na
entrada havia uma escada de 6 degraus, que terminavam em uma porta larga de
vidro temperado, com efeito fumê, tornando as imagens de seu interior em
borrões indistintos. Ao chegar no último degrau, a porta se abriu revelando
duas beldades estonteantes.
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